O Autismo

 In Artigo

Embora inúmeras pesquisas ainda venham sendo desenvolvidas para definirmos o que seja o autismo, desde a primeira descrição feita por Kanner em 1943 existe um consenso em torno do entendimento de que o que caracteriza o autismo são aspectos observáveis que indicam déficits na comunicação e na interação social, além de comportamentos repetitivos e áreas restritas de interesse. Essas características estão presentes antes dos 3 anos de idade, e atingem 0,6% da população, sendo quatro vezes mais comuns em meninos do que em meninas.

A noção de espectro do autismo foi descrita por Lorna Wing em 1988, e sugere que as características do autismo variam de acordo com o desenvolvimento cognitivo; assim, em um extremo temos os quadros de autismo associados à deficiência intelectual grave, sem o desenvolvimento da linguagem, com padrões repetitivos simples e bem marcados de comportamento e déficit importante na interação social, e no extremo oposto, quadros de autismo, chamados de Síndrome de Asperger, sem deficiência intelectual, sem atraso significativo na linguagem, com interação social peculiar e bizarra, e sem movimentos repetitivos tão evidentes.

 

Diagnóstico


autismo

O diagnóstico do autismo é clínico, feito através de observação direta do comportamento e de uma entrevista com os pais ou responsáveis. Os sintomas costumam estar presentes antes dos 3 anos de idade, sendo possível fazer o diagnóstico por volta dos 18 meses de idade.

Ainda não há marcadores biológicos e exames específicos para autismo, mas alguns exames, tais como cariótipo (com pesquisa de X frágil, EEG, RNM e erros inatos do metabolismo), teste do pezinho, sorologias para sífilis, rubéola e toxoplasmose, audiometria e testes neuropsicológicos são necessários para investigar causas e outras doenças associadas.

O quadro clínico do autismo, segundo o DSM IV TR (APA, 2002) é:

Prejuízo da habilidade social:

não compartilham interesses, não desenvolvem empatia e demonstram uma certa inadequação em abordar e responder aos interesses, emoções e sentimentos alheios; Prejuízo no uso de comportamentos não-verbais como: contato visual direto, expressão facial, postura corporal e com objetos;

Dificuldades na interação social:

fracasso em vincular-se a uma pessoa específica, não diferenciação de indivíduos importantes em sua vida, falta de comportamento de apego;

Alterações na linguagem:

atraso na linguagem falada. Nos que desenvolvem a linguagem adequadamente, dificuldade em iniciar ou manter uma conversa, uso estereotipado e repetitivo de certas palavras ou frases e emprego da terceira pessoa (inversão pronominal) para falar de suas vontades. Os que aprendem a ler não apresentam compreensão do que lêem;

Alterações de comportamento:

padrões restritos de interesse, manipulação sem criatividade dos objetos, ausência de atividade exploratória, preocupação com as partes de objetos, inabilidade para participar de jogos de imitação social espontâneos, adesão a rotinas rígidas, presença de maneirismos motores e crises de raiva ou pânico com mudanças de ambiente; mudanças súbitas de humor, com risos ou choros imotivados, hipo ou hiper-responsividade aos estímulos sensoriais e agressividade sem razão aparente. Comportamentos auto-agressivos, como bater a cabeça, morder-se, arranhar-se e arrancar os cabelos podem ocorrer.

Uma proposta de alteração dos critérios do DSM V está online e sugere que para se diagnosticar autismo, estejam presentes as seguintes características:

Déficits na comunicação social e na interação social:

déficit na comunicação não verbal e verbal utilizada para a interação social, falta de reciprocidade social, incapacidade de desenvolver e manter relacionamentos com seus pares apropriados ao seu nível de desenvolvimento.

Padrões restritos e repetitivos de comportamento:

estereotipias ou comportamentos verbais estereotipados ou comportamento sensorial incomum, aderência a rotinas e padrões de comportamentos ritualizados, interesses restritos. Os sintomas devem estar presentes na primeira infância, mas podem não se manifestar plenamente, até que as demandas sociais ultrapassem as capacidades limitadas.

Referências bibliográficas: American Psychiatric Association (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM IV TR. Tradução de Cláudia Dornelles. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

http://www.dsm5.org/ProposedRevision/Pages/proposedrevision.aspx?rid=94

 

Escalas


INTRODUÇÃO A ALGUMAS ESCALAS DE AVALIAÇÃO RELACIONADAS AO ESPECTRO DO AUTISMO

Autor da Pesquisa e Tradução: Vinicius Aguiar Agosto – 2009

ADI-R

ADI-R é a sigla para Autism Diagnostic Interview-Revised ou Entrevista Diagnóstica para o Autismo Revisada. Trata-se de uma entrevista diagnóstica semi-estruturada concebida para ser aplicada no principal cuidador da criança com hipótese de transtorno global do desenvolvimento (TGD). Tem o objetivo de fornecer uma avaliação ao longo da vida de uma série de comportamentos relevantes para o diagnóstico diferencial de TGD em indivíduos a partir dos 5 anos até o início da idade adulta e com idade mental a partir dos 2 anos de idade.

O instrumento passou por uma revisão em 1994. Na revisão, o instrumento foi reorganizado, abreviado e modificado de forma a ser adequado na avaliação de crianças com idade mental de 18 meses até a idade adulta e aumentou a equivalência com os critérios do CID-10 e do DSM-IV.

A ADI-R é composta por cinco seções: perguntas introdutórias; questões sobre comunicação (inicial e atual); sobre desenvolvimento social e o brincar (novamente inicial e atual); investigação sobre comportamentos repetitivos e restritos (todos pontuados, tanto para os atuais como para os que sempre aconteceram), e um número reduzido de questões relativas a problemas de comportamento em geral. Devido a revisão, tornou-se possível que um aplicador com uma prática relativa no instrumento o aplique em cerca de 1 hora e meia de entrevista, em cuidadores de crianças de 3 a 4 anos. Em crianças mais velhas, a entrevista pode ser um pouco mais longa.

A entrevista é focada em três áreas principais:

A qualidade da interação social recíproca (incluindo características como comportamento de saudação, compartilhamento de emoções, oferecendo e buscando conforto e o desenvolvimento de amizades intensas.

Comunicação e linguagem (incluindo características como uso social, qualidade da interação/troca durante a conversa, linguagem idiossincrática e modo de falar estereotipado.

Comportamentos repetitivos, limitados e estereotipados (como preocupações incomuns, afeto inadequado, rituais e interesses sensoriais incomuns).

Além das três principais áreas de investigação, a entrevista também abrange uma variedade de comportamentos que, embora tenham uma menor relevância para o diagnóstico, muitas vezes ocorrem em TGD e são importantes no planejamento do tratamento. Por exemplo, existem questões sobre autolesão, pica , hiperatividade e agressividade.

Uma vez que a entrevista está preocupada com o diagnóstico diferencial de transtornos do desenvolvimento, uma investigação padronizada da história começa (depois de uma seção de orientando geral), com questionamentos sobre como e quando os pais pela primeira vez perceberam de que algo poderia estar errado com a criança, e sobre os principais marcos do desenvolvimento.

A entrevista segue de forma a investigar o comportamento da criança durante os primeiros 5 anos de vida, porque certas características diagnósticas são normalmente mais evidentes durante esse período. Em seguida, a investigação se concentra no comportamento atual, ou seja, durante os 12 meses anteriores à entrevista. No entanto, para muitos itens, o entrevistador também avalia se alguns comportamentos específicos estiveram presentes.

CARS

CARS é a sigla para Childhood Autism Rating Scale ou Escala de Avaliação do Autismo na Infância. Trata-se de uma escala com 15 itens que auxiliam o diagnóstico e identificação de crianças com autismo, além de ser sensível na distinção entre o autismo e outros atrasos no desenvolvimento. A sua importância é baseada na capacidade de diferenciar o grau de comprometimento do autismo entre leve, moderado e severo (Magyar & Pandolfi, 2007; Schopler, Reichler & Renner, 1988). Sua aplicação é rápida e adequada a qualquer criança com mais de 2 anos de idade. Ela foi desenvolvida ao longo de um período de 15 anos, tendo como base 1500 crianças com autismo.

A escala incorpora critérios diagnósticos baseados no trabalho de Kanner (1943), Creak (1961), Rutter (1978) e Ritvo & Freeman (1978) e, a partir de 1980, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-III) (Schopler, Reichler & Renner, 1988). A escala avalia o comportamento em 14 domínios geralmente afetados no autismo, somadas a uma categoria única para descrição de impressões gerais (Stella, Mundy & Tuchman, 1999; Rellini et al., 2004). Os 15 quesitos de avaliação são os seguintes: (1) interação com as pessoas, (2) imitação, (3) resposta emocional, (4) uso do corpo, (5) uso de objetos, (6) adaptação à mudança, (7) reação a estímulos visuais e (8) auditivos, (9) a resposta e uso da gustação, olfato e tato; (10) medo ou nervosismo, (11) comunicação verbal, (12) comunicação não verbal, (13) nível de atividade, (14) o nível e a coerência da resposta intelectual e, finalmente, as (15) impressões gerais.

A pontuação atribuída a cada domínio varia de 1 (dentro dos limites da normalidade) a 4 (sintomas autísticos graves). A pontuação total varia de 15-60 e o ponto de corte para o autismo é 30 (Schopler, Reichler & Renner, 1988).

ABC OU ICA

O Autism Behavior Checklist (ABC) é uma lista contendo 57 comportamentos atípicos (Krug et al., 1980). No Brasil, a lista foi traduzida, adaptada e pré-validada com o nome de Inventário de Comportamentos Autísticos (ICA) (Marteleto & Pedromônico, 2005). A lista foi concebida para a triagem inicial de crianças suspeitas de ter TGD e foi padronizado, por meio das observações dos professores das crianças. Alguns estudos utilizaram o questionário em forma de entrevista com os pais e cuidadores.

O objetivo do ABC/ICA é ajudar no diagnóstico diferencial das crianças suspeitas de ter TGD e encaminhá-las a tratamentos interventivos adequados. O ABC é um dos cinco subtestes que compõem a ASIEP-2 (Krug et al., 1980). É mais freqüentemente utilizado durante o início do processo diagnóstico em indivíduos suspeitos de terem autismo. O ABC/ICA lista 57 comportamentos atípicos que são sintomáticos do autismo, organizados em cinco áreas: sensoriais, relacionais, imagem corporal, linguagem, interação social e autocuidado. Há um protocolo para a marcação do comportamento da criança.

Cada item é pontuado de 1 a 4, determinado estatisticamente de acordo com o grau de associação ao comportamento patológico. A pontuação para cada um dos cinco domínios é registrada, dando uma pontuação parcial para cada domínio, assim como uma pontuação global. Quando o total chega a 68 pontos ou mais, a criança é considerada com autismo (Krug et al., 1980; 1993); a pontuação entre 54 e 67 indica uma probabilidade moderada da criança ter autismo; a pontuação entre 47 e 53 é considerada duvidosa para a classificação do autismo, e escores abaixo de 47 indicam que a criança é típica.

A lista tem sido amplamente utilizada em vários países, tanto na investigação quanto na prática clínica devido a facilidade de aplicação e o baixo custo. Nos últimos anos, as propriedades psicométricas do ABC/ICA foram investigadas e avaliadas (Miranda-Linne & Melin, 1997; Sevin et al., 1991). Apesar destes estudos questionarem o ponto de corte determinado pelos autores do ABC, a lista tem sido considerada útil na triagem de crianças suspeitas de pertencer ao espectro do autismo.

As propriedades psicométricas do ABC/ICA foram abordadas em um estudo preliminar de validação (Marteleto et al., 2005). Os autores demonstraram que o instrumento é capaz de identificar as crianças com suspeita de autismo infantil e propôs uma pontuação de 49 como ponto de corte com alta sensibilidade e especificidade na identificação em tais casos na população em geral. Portanto, as avaliações do comportamento por meio de escalas ou listas (cada uma com suas próprias particularidades) revelaram-se bastante úteis na identificação do autismo. No entanto, elas são instrumentos complementares para o diagnóstico desta síndrome e, portanto, incapazes de realizar o diagnóstico isoladamente.

ASQ OU SCQ

O Social Communication Questionnaire (SCQ) ou Questionário de Comunicação Social, anteriormente chamado de Autism Screening Questionnaire (ASQ) ou Questionário de Rastreio do Autismo, foi desenvolvido por Rutter e Lord, é uma seleção de 40 perguntas respondidas pela principal cuidador de crianças a partir de 4 anos.

Derivada da versão revista do ADI (Le Couteur et al., 1989), o SCQ é uma ferramenta com o foco na avaliação de crianças com elevado risco de problemas de desenvolvimento, que prevê um diagnóstico baseado na pontuação de comportamentos organizados em três áreas de funcionamento: interação social recíproca, linguagem e comunicação; além de padrões repetitivos e estereotipados de comportamento.

Um estudo sobre a validade do SCQ foi realizado por Berument et. Al., (1999), com indivíduos com idades entre 4 e 18 anos, em pais que já conheciam o diagnóstico. A melhor pontuação de corte foi 15. Para diferenciar transtornos globais do desenvolvimento a partir de outros diagnósticos, incluindo atrasos do desenvolvimento sem autismo, a sensibilidade foi de 85%, especificidade 67%, valor preditivo positivo 93% e preditivo negativo valor 55%.

Este estudo mostra que a SCQ é um importante instrumento de rastreio para crianças que possuem um alto risco de terem um TGD com idades compreendidas entre os 3 e 5 anos; pois ela é capaz de identificar corretamente as crianças com um possível diagnóstico de TGD em comparação a outros diagnósticos relacionados ao desenvolvimento.

No entanto, a principal preocupação com o uso desta ferramenta para rastreamento é que, apesar do SCQ possuir uma alta pontuação em relação a sua sensibilidade (tendo 11 como ponto de corte), ela acabou resultando numa baixa especificidade. Por exemplo, o instrumento não seria muito adequado para especificar se uma pessoa possui Síndrome de Asperger ou Autismo.

Sendo assim, esta condição produz muitos falsos positivos que podem resultar num aumento da ansiedade parental, enquanto se aguarda uma avaliação formal. A possibilidade de um diagnóstico de autismo em uma criança é algo que iria alarmar a maioria pais. Por isso, a utilização do SCQ deve ser feita por profissionais experientes e familiarizados com os TGDs. Embora a especificidade seja baixa, o SCQ agrega valor à avaliação do profissional experiente e pode dar subsídios para o encaminhamento a uma avaliação mais específica.

ADOS

O Autism Diagnostic Observation Schedule-Generic (ADOS-G) ou Programa de Observação Diagnóstica do Autismo – Versão Genérica é uma avaliação semi-estruturada da interação social, da comunicação, do brincar e do uso imaginativo de materiais para indivíduos suspeitos de terem algum transtorno do espectro do autismo (TEA). O cronograma de observações consiste em quatro sessões ou módulos de 30 minutos, cada um concebido para ser administrado a diferentes indivíduos de acordo com seu nível de linguagem expressiva.

Como parte da programação, são previstas situações de interação social, chamadas em inglês “presses” ou agrupamentos (Lord et al., 1989; Murray, 1938), nas quais são promovidas uma série de iniciações sociais e respostas prováveis de aparecer. Da mesma forma, situações de comunicação são criadas para suscitar uma série de trocas. Situações de brincar são incluídas para permitir a observação de diversas atividades imaginativas e da atuação em papéis sociais. O objetivo da ADOS-G é o de proporcionar agrupamentos que provoquem comportamentos espontâneos em contextos comuns. Existe a inserção de atividades e materiais estruturados, mas sem interações estruturadas, de forma a fornecer contextos comuns com o ADOS-G em que são observados comportamentos sociais e comunicativos relevantes, entre outros; para a identificação de Transtornos Globais de Desenvolvimento.

A administração da ADOS era destinada a crianças entre os 5 e 12 anos, que tenham uma competência na linguagem expressiva de uma criança de pelo menos 3 anos de idade. Foi proposto como um instrumento complementar para o Autism Diagnostic Interview (ADI; Le COUTEUR et al., 1989), uma entrevista que investiga por meio do cuidador principal a história, assim como o funcionamento atual, em áreas de desenvolvimento relacionadas com autismo. Os instrumentos foram desenvolvidos principalmente para investigar o diagnóstico de autismo, numa faixa de níveis cognitivos que vai do retardo mental moderado à inteligência normal, com um treinamento exigido em cada instrumento.

A ADOS-G é destinada a fornecer contextos normais para a observação do comportamento de uma faixa mais ampla de desenvolvimento e idade em indivíduos suspeitos de ter autismo. A programação é composta por quatro módulos. Cada um é adequado para crianças e adultos em diferentes níveis de desenvolvimento e de linguagem, variando da ausência de utilização expressiva ou receptiva de palavras, à fluência e linguagem complexa em um adulto.

O nível de linguagem expressiva é provavelmente o mais forte preditor dos resultados em transtornos do espectro do autismo, pelo menos em indivíduos para além do nível pré-escolar (Kobayashi et al., 1992; Venter et al., 1992). Porque o nível de linguagem expressiva afeta quase todos os aspectos da interação social e do brincar, tem sido particularmente difícil separar os efeitos do nível de gravidade da linguagem verbal do nível de severidade do autismo em indivíduos com TEA (Happé, 1995; Mahoney et al., 1998). Pesquisas têm mostrado que crianças com retardo mental, com ou sem autismo, parecem socialmente mais competentes, menos ansiosas e mais flexíveis quando demandas de linguagem são baixas em relação a seu nível de habilidade (Mesibov, Schopler, & Hearsey, 1994).

Uso da ADOS-G é claramente relacionado à habilidade do examinador. Exige prática na administração das atividades, na pontuação e observação. Dentro de uma clínica ou grupo de pesquisa, antes do profissional ser considerado como competente nos instrumentos para avaliação clínica ou em populações, é esperado que os examinadores obtenham uma confiabilidade entre si e o consenso sobre a pontuação dos vídeos fornecidos pelos autores antes de utilizar os instrumentos.

PEP-R

O PEP-R, ou perfil psicoeducacional revisado (Schopler et al., 1990), é um instrumento de medida da idade de desenvolvimento de crianças com autismo ou com transtornos correlatos da comunicação. Este instrumento surgiu em função da necessidade de identificar padrões irregulares de aprendizagem, visando a subseqüente elaboração do planejamento psicoeducacional, segundo os princípios do Modelo TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Communication Handicapped Children). Entretanto, sua utilização tem sido também estendida a pesquisas nessa área. O PEP-R é composto por duas escalas. A primeira (de desenvolvimento) foi construída a partir de normas estabelecidas empiricamente, de acordo com a performance obtida em crianças norte-americanas, com desenvolvimento típico. A segunda (de comportamento) baseou-se no CARS (Childhood Autism Rating Scale de Schopler, Reichler, & Renner, 1988) e nos critérios de Creak (1961).

Historicamente, crianças com autismo têm sido consideradas como “não-testáveis”, provavelmente pela pouca cooperação em situações de testagem, seja pela dificuldade em estabelecer contato com o examinador, ou pela dificuldade deste último em compreendê-las. Tomando por base a necessidade de se considerar as peculiaridades do comportamento de indivíduos com autismo e as dificuldades de administração de instrumentos tradicionais nessa população foi desenvolvido o Perfil Psicoeducacional (PEP) como um instrumento referencial para a apreciação tanto das áreas de habilidade, quanto das deficitárias, em crianças com autismo ou com transtornos correlatos da comunicação. O perfil de desenvolvimento obtido era então utilizado no planejamento educacional, de acordo com o modelo TEACCH. O modelo TEACCH, que iniciou como um projeto de pesquisa universitária, cresceu graças a seus resultados empíricos e é hoje uma forma de intervenção seguida em vários países e em diferentes culturas.

Em plena década de 1960, nos Estados Unidos, a tradição behaviorista fazia-se muito presente, sendo esse o berço do TEACCH. Entretanto, as bases teóricas lançam-se, ainda, sobre a psicolingüística. A valorização da descrição de cada comportamento, a utilização de programas passo a passo e o uso de reforçadores evidenciam as influências comportamentais na tentativa de se obter maior controle das respostas discrepantes e idiossincráticas, presentes nas pessoas acometidas pelo autismo.

Por outro lado, foi na psicolingüística que se buscou estratégias para compensar os déficits comunicacionais causados pelo transtorno, através do uso de recursos visuais, como pictogramas ou fotos, para ampliar as capacidades de compreensão. Além disso, a intervenção nas funções de comunicação como a capacidade de solicitação, rejeição e de escolha, também têm suas bases nos estudos da psicolingüística, assim como a escolha de objetivos que sejam apropriados ao nível de desenvolvimento da pessoa com autismo. Sendo assim, as noções do comportamentalismo e da psicolingüística convergem para uma prática funcional e pragmática: a funcionalidade se expressa na visão da conduta e, a pragmática, na visão psicolingüística (Leon & Lewis, 1995, 1997).

O PEP foi um instrumento concebido para identificar padrões de aprendizagem irregulares e idiossincráticos, destinando a crianças cuja faixa etária varia entre 1 e 12 anos. As dimensões avaliadas são: coordenação motora ampla, coordenação motora fina, coordenação visuo-motora, percepção, imitação, performance cognitiva e cognição verbal (escala de Desenvolvimento), e as áreas de relacionamento e afeto, brincar e interesse por materiais, respostas sensoriais e linguagem (escala de Comportamento). Para cada área, foi desenvolvida uma escala específica com tarefas a serem realizadas ou comportamentos a serem observados (Schopler & cols., 1990).

M-CHAT

O M-CHAT é uma escala de rastreamento que pode ser utilizada em todas as crianças durante visitas pediátricas, com objetivo de identificar traços de autismo em crianças de idade precoce (Robins et al., 2001). Os instrumentos de rastreio são úteis para avaliar pessoas que estão aparentemente bem, mas que apresentam alguma doença ou fator de risco para doença, diferentemente daquelas que não apresentam sintomas (Gerg et al., 2005). A M-CHAT é extremamente simples e não precisa ser administrada por médicos.

A resposta aos itens da escala leva em conta as observações dos pais com relação ao comportamento da criança, dura apenas alguns minutos para ser preenchida, não depende de agendamento prévio, é de baixo custo e não causa desconforto aos pacientes (Robins et al., 2001). Essa escala é uma extensão da CHAT. Consiste em 23 questões do tipo sim/não, que deve ser autopreenchida por pais de crianças de 18 a 24 meses de idade, que sejam ao menos alfabetizados e estejam acompanhando o filho em consulta pediátrica. O formato e os primeiros nove itens do CHAT foram mantidos.

As outras 14 questões foram desenvolvidas com base em lista de sintomas freqüentemente presentes em crianças com autismo (Robins et al., 2001). Os autores do M-CHAT realizaram estudo de validação da escala nos EUA, com amostra de 1.122 crianças de 18 meses de idade que faziam consultas pediátricas de rotina e com outra amostra de 171 crianças que participavam de rastreamento precoce em serviços especializados (Robins et al., 2001).

Nesse estudo, foram utilizados dois critérios para determinar sensibilidade e especificidade do M-CHAT. O primeiro usou quaisquer três das 23 questões, com sensibilidade de 0,97 e especificidade de 0,95. O segundo usou duas das seis melhores questões, com sensibilidade de 0,95 e especificidade de 0,9911.

 

Tratamento


O tratamento do autismo envolve intervenções psicoeducacionais, orientação familiar, desenvolvimento da linguagem e/ou comunicação. O recomendado é que uma equipe multidisciplinar avalie e desenvolva um programa de intervenção orientado a satisfazer as necessidades particulares a cada indivíduo. Dentre alguns profissionais que podem ser necessários, podemos citar:psiquiatras,psicólogos,fonoaudiólogos,terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e educadores físicos. Os métodos de intervenção mais conhecidos e mais utilizados para promover o desenvolvimento da pessoa com autismo e que possuem comprovação científica de eficácia são:

TEACCHR (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handcapped Children):

é um programa estruturado que combina diferentes materiais visuais para organizar o ambiente físico através de rotinas e sistemas de trabalho, de forma a tornar o ambiente mais compreensível, esse método visa à independência e o aprendizado.

PECSR (Picture Exchange Communication System):

é um método de comunicação alternativa através de troca de figuras, é uma ferramenta valiosa tanto na vida das pessoas com autismo que não desenvolvem a linguagem falada quanto na vida daquelas que apresentam dificuldades ou limitações na fala.

ABA (Applied Behavior Analysis):

ou seja, analise comportamental aplicada que se embasa na aplicação dos princípios fundamentais da teoria do aprendizado baseado no condicionamento operante e reforçadores para incrementar comportamentos socialmente significativos, reduzir comportamentos indesejáveis e desenvolver habilidades. Há várias técnicas e estratégias de ensino e tratamento comportamentais associados a analise do compormentamento aplicada que tem se mostrado útil no contexto da intervenção incluindo (a) tentativas discretas, (b) análise de tarefas, (d) ensino incidental, (e) análise funcional

Medicações:

O uso medicamento deve ser prescrito pelo médico, e é indicado quando existe alguma comorbidade neurológica e/ou psiquiátrica e quando os sintomas interferem no cotidiano. Mas vale ressaltar que até o momento não existe uma medicação específica para o tratamento de autismo. É importante o médico informar sobre o que se espera da medicação, qual o prazo esperado para que se perceba os efeitos, bem como os possíveis efeitos colaterais.

Letícia Calmon Drummond Amorim – Psiquiatra

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